Como as soluções estruturais mistas podem evoluir no Brasil?
Veja quais são os obstáculos para o uso dos sistemas mistos de aço e concreto. Necessidade de redução da mão de obra nos canteiros pode alavancar utilização em larga escala
Petronas Towers, em Kuala Lumpur, na Malásia: exemplo internacional de obra emblemática, de grande porte, que emprega sistema estrutural misto. Aspectos culturais e de custos ainda travam a utilização desse tipo de solução no Brasil (Imagem: foto de Izuddin Helmi Adnan na Unsplash)Sempre que o problema da falta de mão de obra qualificada ganha contornos dramáticos no Brasil, os profissionais da construção civil costumam lembrar que existem as estruturas mistas. E que possuem potencial de diminuir o número de operários nos canteiros, aumentar a velocidade de execução e tornar as edificações mais leves.
Existem outras opções de materiais, mas fala-se, em geral, no sistema misto no qual um perfil de aço (laminado, soldado ou moldado a frio) trabalha em conjunto com o concreto para compor um elemento estrutural, que pode ser uma viga, laje ou pilar.
Mas, afinal, por que será que não avançamos mais, em larga escala, com tais soluções no país? Para compartilhar conhecimento técnico a respeito, convidamos para o Podcast AEC Responde o engenheiro civil e projetista de estruturas, Francisco Paulo Graziano, sócio-diretor da Pasqua & Graziano Associados.
Ouça o áudio na íntegra e/ou leia entrevista, a seguir.
AECweb – Como as soluções estruturais mistas podem evoluir no Brasil? Estamos atrás, no mesmo estágio ou à frente do que se faz no Exterior?
Francisco Graziano – Há alguns aspectos a serem observados. No Brasil, temos capacitação técnica comparável ao Exterior, principalmente no caso de engenheiros e projetistas. O que nos falta, hoje, é oportunidade em larga escala. A evolução das soluções estruturais mistas ainda é limitada por fatores culturais e de custo, especialmente o preço do aço, que é percebido como alto. Porém, muitos não consideram adequadamente os benefícios indiretos dessas soluções, como a redução no tempo de execução da obra. Talvez não se faça a orçamentação correta. Em uma obra, não existem apenas os custos diretos relativos aos materiais. Temos que visualizar também os gastos com mão de obra, os custos indiretos e financeiros, que acabam onerando muito o empreendimento no caso de um cronograma muito alongado. Mas vejo algumas oportunidades claras de aplicação de estruturas mistas. Um exemplo se tornou recorrente em nossos projetos. Quando vejo o primeiro andar de um edifício com um piso a piso muito alto, acima de 10 ou 15 metros, costumo pensar em uma solução mista. Reduz a necessidade de cimbramento, assim como problemas de segurança decorrentes do trabalho em altura. O resultado é muito bom. Temos que estudar caso a caso e ficar alerta para detectar essas oportunidades.
AECweb – Com o cenário atual de falta de mão de obra qualificada, a adoção de sistemas construtivos modulares, combinando componentes de aço e pré-fabricados de concreto, pode ser um caminho promissor para a evolução de soluções estruturais mistas no Brasil?
Graziano – Aposto que sim, embora o processo esteja ainda em fase inicial, tanto no Brasil quanto no Exterior, onde apenas alguns países avançaram de forma mais significativa. Iniciativas como o trabalho do Hubic, na Universidade de São Paulo, são exemplos positivos nesse sentido. Se conseguirmos combinar as vantagens estruturais do concreto com as do aço, podemos criar módulos construtivos econômicos, repetitivos e, ao mesmo tempo, adaptáveis. Seria o melhor dos mundos. A chave para o sucesso é criar um mercado com fornecedores e fabricantes diversificados, o que evitaria problemas relacionados a preços e fornecimento, ainda comuns no mercado brasileiro.
As pessoas também perguntam:
Por que empregar lajes planas em edifícios altos?
AECweb – As normas técnicas existentes, tais como a NBR 8800:2008 – Projeto de estruturas de aço e de estruturas mistas de aço e concreto de edifícios, a NBR 14.762:2010 – Dimensionamento de estruturas de aço constituídas por perfis formados a frio; e a 14.323:2013 – Projeto de estruturas de aço e de estruturas mistas de aço e concreto de edifícios em situação de incêndio, são suficientes para embasar novos projetos e soluções estruturais mistas? Há lacunas ou pontos onde a normalização pode avançar?
Graziano – É difícil colocar isso de uma maneira objetiva. As normas técnicas brasileiras oferecem uma boa base, bastante sólida, mas é natural que existam lacunas, principalmente na medida em que avançarmos com soluções estruturais modulares e mistas. Em alguns dos nossos projetos, identifiquei a necessidade de adaptar ou combinar normas de concreto e de aço para resolver esses vazios. Costumo dizer que as normas técnicas visam limitar riscos técnicos e evitar que sejam feitas grandes bobagens. Ocorre que o mercado, por vezes, avança rapidamente, o que demanda revisões e atualizações constantes para acompanhar as inovações. Isso é normal.
AECweb – A concorrência no mercado e os interesses comerciais – na maioria dos casos, legítimos e compreensíveis – entre as indústrias ligadas aos sistemas metálicos e às baseadas em concreto acabam atrapalhando a disponibilização de soluções mistas em larga escala no Brasil? Ou isso já ficou para trás?
Graziano – Já até participei dessa torcida (risos). Sou um fã declarado do concreto. Faz parte da minha formação. Mas não tenho preconceito com nenhum tipo de solução estrutural. Tenho misturado os sistemas em alguns projetos, quando percebo uma vantagem ali e outra acolá. E o resultado é melhor. Quanto à concorrência entre indústrias de cimento e aço, não vejo nenhum obstáculo significativo. São grandes grupos que, muitas vezes, atuam em ambos os setores. O foco deve estar em encontrar a melhor solução de engenharia para beneficiar o cliente e a construtora.
AECweb – E a madeira engenheirada? Dá para pensar em sistemas mistos também?
Graziano – Sim, é possível pensar em sistemas mistos que incluam madeira engenheirada. Temos condições, sem dúvida. Claro que não dá para pensar em fazer uma viga com um pedaço de madeira na seção e, depois, com uma talinha de aço. Pode até servir para um reforço ou outro, mas não seria uma estrutura mista. Mas é possível pensar, por exemplo, em uma estrutura cuja parte inferior seja de concreto ou aço e a parte superior de madeira. Essa abordagem já é utilizada em outros países e há potencial para tal aplicação no Brasil.
AEC Responde
Envie sua dúvida técnica sobre construção, engenharia civil e arquitetura
Colaboração técnica
- Francisco Paulo Graziano – Sócio-diretor da Pasqua e Graziano Associados, onde realizou e coordenou mais de 5 mil projetos estruturais. Engenheiro civil formado pelo Instituto Mauá de Tecnologia e mestre em engenharia de estruturas pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Foi professor do Departamento de Estruturas da Poli-USP (1979 a 2015) e relator da Comissão de Revisão da Norma de Projeto de Estruturas de Concreto – Procedimento publicado em 2003 – NBR 6118. Autor do livro “Projeto e Execução de Estruturas de Concreto Armado”.





